quarta-feira, 27 de julho de 2011

O GALHEIRO

Os números
As cabeças ligeiramente inclinadas
As estradas vazias
Os patetas no chão
O cinzeiro cheio
O horror! Meu deus, o horror!
Os quadros na parede, as colagens no tecto, as canecas na mesa, os remédios no chão
Os números na cabeça
As estradas ligeiramente inclinadas
O cinzeiro cheio de patetas e os quadros cheios de horror, meu deus, o horror!
Números de canecas
remédios na cabeça
As estradas no cinzeiro e patetas na tv
O horror ligeiramente inclinado e o amor na parede
As canecas na passadeira
Os números na televisão
O amor na televisão
As canecas de beatas
As beatas dos remédios e os números inclinados
As estradas patetas
Os quadros nos esquadros
As colagens nos cinzeiros, os patetas nas palavras, o amor na televisão e o horror, meu deus, o horror!
As beatas ligeiramente inclinadas
As palavras na Parede
O amor em Carcavelos
Os números no cinzeiro
A passadeira nas colagens, as colagens nas palavras, as canecas nos esquadros e os esquadros nos patetas
O horror, meu deus, o horror! e o sentido para o galheiro

sábado, 2 de julho de 2011

É como se estivesse sempre a escrever o mesmo livro
de formas ligeiramente diferentes
com palavras radicalmente contrárias
se eu pudesse
não
se eu tivesse coragem
punha-me a voar
Criava um mundo de caras a chorar
Criava um mundo de lágrimas
De uma água vinda de dentro, tão de dentro, tão pura que fosse capaz de lavar este livro

É como se toda a gente fosse igual
Com formas ligeiramente diferentes
Com palavras radicalmente contrárias
se eu pudesse
não
se eu tivesse coragem
punha-me a voar
Criava um mundo onde o passado fosse o presente
Criava um mundo sem tempo
Um tempo sem futuro

É como se o mundo estivesse a abraçar o meu cérebro com força de mais
Se o mundo me deixasse
eu punha-me a voar

Ninguém te leva a sério
Nem as horas te levam a sério
Passam tão de repente, a gozar contigo, a rirem-se de ti, a apontarem para ti como a pessoa que ficou para trás

É como quando choras a morte de alguém e ninguém volta a vida
Nem de formas ligeiramente diferentes
Mas com palavras radicalmente contrárias consegues ouvir alguém morto a dizer-te:
-Põe-te a voar!


quarta-feira, 22 de junho de 2011

Soem os risos e as violas e as violadas e os pianos
Soem os restaurantes e as vozes e as violadoras
Soem as mentirosas e os risos e que soe o tempo e o passar do mesmo
que soem as teclas de um piano e as perguntas de todos os dias e as respostas parvas dos sonhos
que soem os sonhos e se calem as rimas e as mulheres parvas e as mulheres passadas que não passam...
Eles que se calem também apesar de continuarem a soar nas nossas cabeças.
Soem os gritos mudos e os gritados e os actos desafinados e as palavras que soam só por serem palavras
Soem os pianos, os altos e os como eu
Soem os calados tão alto como as ideias
Soem as saudades
soem as saudades
soem as verdades muito mais fortes do que as lembranças
E que soem as vontades muito mais fracas do que os ideais
Que trema o mundo como treme o meu cérebro ao tentar adormecer
Que tremam as pernas daqueles que foram mais fracos que a verdade
Que prevaleça a verdade sempre sobre a vontade
E que a verdade saiba fingir ser ela mesma tão bem quanto uma bela mulher
Que soem os gritos doridos e tão verdadeiros quanto um pesadelo
Que se calem as rimas e as mulheres belas e as minhas ideias parvas por favor.
Já não consigo ouvir nada que não seja qualquer coisa nem ouvir qualquer coisa que não seja nada
Se calhar já morri há muito tempo como as estrelas cadentes
Que soem os desejos então
Que soem as esperanças
Que se engane o amor com desejos e a verdade com as esperanças
Porque é tempo de pedir um desejo
Porque
Olhem para mim
Não sou nada destas palavras bonitas
Sou fraco como estas palavras vazias.
Quem soem então as palavras para sempre banais
Porque eu gostaria de um dia conseguir adormecer
em paz



sexta-feira, 15 de abril de 2011

Olá

-Olá.
Amo toda a gente e odeio toda a gente
-tudo bem?
Conheço muito bem toda a humanidade porque me conheço bem
-Olá
Há que medir muito bem o que somos, o que mostramos ser e ter a consciência do que esperam de nós
-Olá!
Há tantos sonhos que me parecem reais e tantas partes da realidade que me parecem sonho
Tudo pode ser uma coisa ou outra
-Tudo bem e contigo?
Posso até estar morto que me parece igual a estar acordado ou a sonhar
(normalmente tudo isto se me apresenta como uma única coisa)
-Também, obrigado
As coisas aparecem-me à frente sem eu procurar e quando nada me procura eu sinto que devia procurar qualquer coisa mas não me mexo. A realidade agarra-me as pernas com a força de um deus e chupa-me o cérebro com a qualidade profissional de uma puta
-Temos de combinar qualquer coisa!
As relações humanas são mais estranhas do que as relações humanas do Tchekhov e tão banais e práticas como as dos macacos
-Vai dizendo coisas...
A qualidade e a inteligência podem ser tão relativos quanto o sabor de gelado preferido de uma pessoa
-Claro que sim!
Os sonhos e os amores são coisas que parecem sempre enormes e que normalmente não passam de segundos
E de repente a vida é como um sonho ou um amor que desaparece num segundo
De repente acordas e já não é nada
já não sentes nada
-Então vá...
E logo a seguir és Deus e és O homem e és mais poderoso que o tempo
-Desde que nasci sou só um moribundo
-Então vá...
-Amo toda a gente e odeio toda a gente
-Afinal não te conheço
-Vai dizendo coisas...
-Claro que sim...!
Há que medir muito bem o que somos, o que mostramos ser e ter a consciência do que esperam de nós
Se a vida me telefonasse agora dizia-lhe "olá" ou "adeus"? ou dizia-lhe "vai dizendo coisas?" ou será que lhe dizia que agora estou sem tempo para ela ou será que lhe dizia que ela é tão inexistente quanto deus mas que, apesar de tudo, me diverte de vez em quando?
A vida é a puta e eu um cliente exigente e falido
exigente e sem forma de pagar
Queria pagar dizendo coisas porreiras mas só tenho a dizer coisas sem sentido
Só consigo responder na mesma moeda
-Estás-me a despachar?
-Claro que sim!


-Olá? Olá...?!




quarta-feira, 6 de abril de 2011

HOW THE HELL DID WE GET HERE SO SOON?!

É difícil começar a escrever
Mesmo quando estou cheio de ideias
é difícil começar a escrever
E mesmo quando ponho a música no repeat
É difícil começar a escrever
Tantos travões
tantas distrações
tantos espaços vazios entre as palavras
tantos espaços vazios na minha vida
tanta tentativa de amor a disfarçar o nada
Tantas músicas ocas a disfarçar o silêncio das respostas de amor que não são nada
Ela diz-me para ter cuidado e ir devagarinho
E ela é a minha cabeça
Ela diz-me que eu estou a fazer tudo mal
E ela é a minha cabeça
Ouço as músicas dela e os pássaros a acordar lá fora e o sino lá fora que (sabe-se lá porquê toca de meia em meia hora)
Mesmo no verão os sinos são trovoadas na minha cabeça e eu não quero ter cuidado
Se a música conseguir disfarçar o vazio que disfarce
E se o nada conseguir ser bêbedo é bem-vindo
A verdade é a maior puta porque custa caro e não pode mentir
A minha inércia é a maior verdade no dia a seguir
E a música no repeat não para o tempo
não para os tempos
nem o nosso destino em comum
Se a morte é a única coisa que temos em comum vamos morrer juntos
E se a vida nos separa vamos morrer juntos
E se as palavras ocas nos juntam vamos viver felizes
E se a felicidade não existe vamos beber até conseguir disfarçar
e se disfarçar não for suficiente vamos morrer.
Mas vamos morrer juntos.
A vida no repeat não funciona
Os acordes são sempre mais pesados na versão seguinte
E os violinos na minha cabeça podem-se transformar em violinos mendigos nas ruas de Lisboa
E os tambores podem parar no meu peito
E quando isso acontecer quero um concerto de todos os instrumentos no teu corpo
e um esquecimento total da minha banda.
A depressão é a forma gourmet da felicidade
E a nova inteligência é a auto-pena
E a auto-pena é a antiga desculpa para o amor
Não tenho medo
acredito nas pessoas
nas minhas pessoas
acredito que ninguém tem razão
(não acredito na razão)
Acredito na cerveja e na persuação
(não acredito na verdade)
Acredito na distância
Acredito na morte
Acredito em ti e em nós
E acredito nos hamburgers da McDonald's.
Mesmo quando se acabam as ideias,
mesmo quando mudo a banda sonora,
É muito difícil acabar de escrever.




sábado, 26 de março de 2011

É deprimente saber quem me lê
E sei quem é cada um deles
e isso é profundamente deprimente
sei quem é cada um de vocês
Isso é deprimente
mas não me importa isso
não me devia importar
mas importo-me
se eu escrevesse para mim
escrevia num caderno
que esconderia numa arca
com uma chave
que estaria escondida algures no meu quarto
talvez dentro de um gaveta com outra chave
Não!
Estaria só dentro da minha cabeça
porque as arcas são fáceis de abrir
e ainda mais fáceis de abrir são as gavetas
E ainda mais fáceis de abrir são as pessoas
que eu guardo aqui
e nas arcas
e nas gavetas
e de baixo dos lençóis
e na minha cabeça

Ah, não consigo escrever mais do que isto aqui
Era só isto que eu queria dizer.

quarta-feira, 23 de março de 2011

O SOL NÃO É RAZÃO PARA VIVER

O que ela fez naquela altura foi a prova de que um sorriso pode salvar um dia
O que ela podia fazer agora era vir ter a minha casa e salvar-me a vida
Sei que o mundo está a ver e queria olhar para o mundo e escrever de olhos fechados
Precisamos de uma aventura qualquer
de uma razão para viver
de um sorriso de alguém num bar
às vezes é preciso mudar completamente para viver completamente
O que é preciso é escrever na altura das ideias e não deixar as ideias martelarem-nos a cabeça até a cabeça vibrar, duvidar, explodir.
Há-de haver um sorriso entre as ruas que se bifurcam infinitamente até ao principio
O principio igual ao fim
Nada antes nem depois
O céu pode estar limpo ou nublado mas estará certamente vazio de gente
Não há criação boa o suficiente para nos tornar eternos e sorrisos só na terra,
nos bares
na cara dela
Só falta saber se isso será suficiente para suportar as saudades do nada.
Acho que sim
Espero que sim
Sim.
Vem ter a minha casa e salva-me a vida!