segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Onde está a pureza?
perguntou
O que é a pureza?
De onde vêm esses rios e esses mares e as àguas que teimam em cair do céu
Porque é que nascem as plantas?
perguntou
O que são as pessoas?
de onde vêm os sorrisos e essas palavras que teimam em chover?
Onde está a verdade?
perguntou
O que é a verdade?
de onde vêm os actos que todos consideram factos sem qualquer discussão?
Qual é o valor da vida?
perguntou
O que é a vida?
Hoje vi alcatrão ser destruído pela chuva
A minha vida tem sido como uma gota de água
a pureza original
como uma gota de água
ninguém a pode impedir de cair
está sempre a cair
Sinto-me Deus
Sinto em mim a pureza original
Venho do céu
e vou caíndo
caíndo até amanhã
amanhã haverá uma derrocada de alcatrão
os carros não vão poder andar
as pessoas vão tropeçar
e as ruas vão estar vazias
Amanhã vai nascer um cacto que vai conter nele toda a água do mundo
vai conter nele todas as tempestades de palavras
e vai guardar para si todos os actos possivelmente correctos
Amanhã vai nascer um cacto que vai ser como uma gota de água e que vai ser capaz de sobreviver só com uma gota de água até à queda final
E não há qualquer pureza nisto
Qual é o sentido de tudo isto?
perguntou
O que é o sentido?
Eu
respondi-lhe
Nós

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

parabéns

É ser um Iago e querer ser um Otelo
É ser um Otelo e querer ser um Hamlet
É ser um Hamlet e querer ser um Lear
É querer ser popular como um Falstaff
É querer ser amado como um Romeu
É querer amar como uma Julieta
É querer matar como um Titus
É sentir os punhos fechados dentro dos bolsos
É sentir a raiva da Porcia pela raiva das pessoas
É sentir raiva por usarem a clemência como favor
É a raiva de usarem a clemência como pena sem terem pena de ninguém
É ter raiva por ninguém pensar em ninguém pelo menos tão sinceramente como pensa no seu ordenado
É ser condenado a ser daqui
É a angústia de não conseguir mudar o sotaque
É o medo de ter de ser daqui
É a certeza de não pertencer aqui
É o não ter escolha se não mudar o "aqui"
É a frustração da História
das personagens recicladas
das conversas gastas
dos pensamentos tão profundos quanto impotentes
isto é como ser um Hamlet com o custo de não ter o que vingar
É como ser um Hamlet com a insegurança frustrante de ser
E a frustrante certeza de não ser
É como ter em mim próprio um Otelo e um Iago
É como ver fugir de mim um Romeu e Julieta
É como ser Falstaff ao contrário
É como ser um Titus onde o prato principal sou eu mesmo
É como ser um judeu amado apenas pela clemência
É sentir a vontade Macbethziana mas sem ter uma coroa para alcançar
é sentir uma vontade de morte sem um fim
É sentir ser tudo isto
Sentir que sou capaz de fazer muito
Sentir que sou único entre as pessoas
É sentir que o poder é meu e não conseguir criar um destino para tudo isto.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Desculpem o aparente paradoxo mas
detesto ter de adormecer
mas não há maior prazer do que não estar acordado

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

C.D.D.E.

Criar Criar Criar
Sinto que tenho o poder de Deus
Mas a vontade do Diabo
Ah! Mas também me sinto um génio sem lâmpada
Sem uma base para voltar quando as coisas estão a correr mal
Chego ao céu desse Deus que sou
E, claro, ao inferno desse Diabo que tenho em mim
Não há meio termo
Não há uma casa onde descansar
É Criar Criar Criar
Sem garantia alguma de qualidade
Não há qualidade nenhuma nisto
(Nem sequer uma verdade que disfarce)
Sou Deus porque me sinto Deus
E Diabo porque sou Diabo
Há tanta mentira nisto como em todos os discursos políticos
E Eu acredito nisto
Eu acredito verdadeiramente nisto
Nisto que não é nada
Nisto que é tão falso como Deus ou o Diabo
Ou tão falso quanto eu
A verdade transforma-se em técnica e a técnica em falsidade e a falsidade em verdade mentirosa E isto é tão verdade quanto a verdade original
Esta falsidade é tão verdade quanto a verdade original
A minha verdade
A verdade de Deus
Tão verdade quanto a mentira do Diabo
A minha mentira
É mentira
É mentira
É mentira
É mentira
É mentira
(porque ninguém contestará a mentira)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

No fundo do rio

E o tempo está a correr
E eu não quero envelhecer
(a rima foi sem querer. Quem rima sem querer é amado sem saber)
E rimei outra vez.
Não quero ser como o meu pai
Isto não tem nada a ver
(outra vez)
Sinto que a minha contagem decrescente começou muito mais cedo do que devia
Sinto que vou morrer amanhã
E sinto que há tantas horas pela frente
Ainda faltam tantas horas para amanhã
E não quero morrer
Não quero envelhecer
(as rimas são sem querer porra!)
Não quero ficar surdo
Nem careca
Nem mudo
Não quero começar a tremer por todos os lados
já tenho cabelos brancos
já tenho cabelos brancos
Como é que isto foi tão rápido?
Abraça-me
Abraça-me até amanhã
Amanhã de manhã vai ser mais fácil
Porra! Não sou carente
Não preciso disto
Eu escolho isto
É mais fácil ser só isto
Vou fazer mil filhos
Vou matar mil crianças
Vou ser um velho de mota e óculos escuros da moda
O tempo está a correr
Tenho medo
À noite tenho muito medo
O tempo passa-se bem com um whisky na mão
Contigo no pensamento
Sempre odiei o "Contigo"
Amanhã não há tigo nem meio tigo
Amanhã vou tirar a carta
Vou tirar a carta
Vou conduzir até um abraço num sítio onde não precise de um abraço
Nos teus braços
Nos teus braços
No fundo do rio
Nos teus braços
Começo a sentir a tragédia das pessoas reais
E isto chega